Carlos Starling
Carlos Starling
SAÚDE EM EVIDÊNCIA

Entre pedras e flores

Como observou Simone de Beauvoir em seus escritos sobre o envelhecimento, não basta acumular anos; é preciso continuar a projetar-se no futuro

Publicidade

Mais lidas

É preciso aprender a morrer com dignidade. A longevidade pode ser uma benção ou uma tortura. Viver muito e não enxergar flores é como ter vivido à margem de uma estrada, torturado pela dúvida por não saber onde ela começa ou termina. 

A questão fundamental da filosofia, segundo Albert Camus, não reside apenas em viver, mas em encontrar razões para continuar vivendo. Em sua obra "O Mito de Sísifo", ele apresenta uma metáfora poderosa sobre a condição humana: eternamente condenado a empurrar uma pedra montanha acima, apenas para vê-la rolar novamente morro abaixo.

Essa imagem dialoga intimamente com o pensamento de Friedrich Nietzsche e seu conceito de "eterno retorno", no qual a vida se apresenta como um ciclo infinito de repetições. Nietzsche propõe que a verdadeira afirmação da vida está em aceitar e amar esse ciclo, transformando o peso da existência em dança.

Martin Heidegger, em sua análise do "ser-para-a-morte", complementa essa reflexão ao argumentar que é precisamente nossa finitude que dá sentido à existência. A consciência da morte não deve paralisar, mas despertar para uma vida autêntica. Como escreveu Fernando Pessoa: "Viver não é necessário; o que é necessário é criar".

A longevidade, quando desprovida de significado, pode tornar-se um fardo insuportável. Como observou Simone de Beauvoir em seus escritos sobre o envelhecimento, não basta acumular anos; é preciso continuar a projetar-se no futuro, mantendo propósitos e paixões. A vida longa deve ser um presente, não uma sentença.

O filósofo contemporâneo Byung-Chul Han alerta para os perigos de uma sociedade do cansaço, na qual vivemos automaticamente, sem perceber a beleza do cotidiano. As flores à margem do caminho representam justamente esses momentos de contemplação e significado que, frequentemente, nos escapam na correria diária.

Jean-Paul Sartre, em sua filosofia existencialista, enfatiza que somos condenados à liberdade - devemos criar nosso próprio sentido em um universo aparentemente sem propósito. As flores que encontramos no caminho são aquelas que escolhemos cultivar.

O poeta Rainer Maria Rilke nos lembra que devemos "aprender a ver" - um processo que vai além do simples olhar. Em sua obra "Cartas a um Jovem Poeta", ele escreve sobre a importância de abraçar todas as experiências, mesmo as mais difíceis, como parte essencial do crescimento humano.

A dignidade na morte encontra eco no pensamento de Michel de Montaigne, que dedicou vários de seus ensaios à arte de morrer. Para ele, "filosofar é aprender a morrer" - não no sentido mórbido, mas como forma de viver mais plenamente.

Zygmunt Bauman analisa como, na modernidade líquida, perdemos muitas vezes a capacidade de construir significados duradouros. As flores à beira do caminho são esses momentos de solidez e beleza em meio à fluidez constante.

Viktor Frankl, sobrevivente do Holocausto e criador da logoterapia, argumenta que o ser humano é movido pela busca de sentido. Mesmo nas condições mais adversas, aqueles que conseguem encontrar um propósito têm maior capacidade de sobrevivência e realização.

O poeta Walt Whitman celebra em "Folhas de Relva" a beleza da existência em todos os seus aspectos, incluindo o ordinário e o cotidiano. Cada momento, cada detalhe, pode ser uma flor no caminho - basta termos olhos para ver.

A filosofia oriental, particularmente o Zen Budismo, nos ensina sobre a importância do momento presente. As flores não estão apenas no fim do caminho, mas em cada passo da jornada. Como disse o mestre Thich Nhat Hanh: "A paz está em cada passo".

Hannah Arendt nos fala sobre a importância da “vita activa” - uma vida de engajamento e significado. Não basta existir; é preciso participar ativamente do mundo, criar, transformar, deixar nossa marca única.

Assim, a verdadeira sabedoria talvez esteja em encontrar o equilíbrio entre empurrar nossa pedra e contemplar as flores. Como sugere o poeta Antonio Machado: "Caminhante, não há caminho. O caminho se faz ao caminhar".

A vida, em sua aparente absurdidade, oferece momentos de transcendência e beleza. Nossa tarefa não é apenas sobreviver, mas aprender a dançar com Sísifo, encontrando alegria mesmo na repetição, descobrindo flores mesmo nas pedras, e construindo significado em cada passo do caminho.

Como concluiu Camus, devemos imaginar Sísifo feliz - não pela sua tarefa aparentemente sem sentido, mas através dela. A verdadeira arte de viver está em transformar nossa própria pedra em jardim, e nosso fardo em dança. Não basta empurrar a pedra morro acima num ciclo infinito. Enquanto empurramos, no cantinho do olho, enxergar flores é o segredo.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

Tópicos relacionados:

dignidade flores morrer pedras

Acesse o Clube do Assinante

Clique aqui para finalizar a ativação.

Acesse sua conta

Se você já possui cadastro no Estado de Minas, informe e-mail/matrícula e senha. Se ainda não tem,

Informe seus dados para criar uma conta:

Digite seu e-mail da conta para enviarmos os passos para a recuperação de senha:

Faça a sua assinatura

Estado de Minas

Estado de Minas

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Aproveite o melhor do Estado de Minas: conteúdos exclusivos, colunistas renomados e muitos benefícios para você

Assine agora
overflay