

Tuberculose x Miséria x Riqueza extrema: há luz no fim do túnel
Assim, diante do abismo crescente entre ricos e pobres, não basta registrar as desigualdades; é preciso agir para saná-las
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No horizonte das nações, onde o brilho da riqueza ofusca o sofrimento, o Programa Bolsa Família (PBF)emerge como um símbolo de resistência. Sob o olhar das estatísticas e das dores humanas, ele ergueu uma ponte entre a penúria e a dignidade. Em um estudo publicado na prestigiosa Nature Medicine no dia 3 de janeiro deste ano , o impacto do Bolsa Família foi revelado: uma queda de 41% na incidência de tuberculose (TB) e uma redução de 31% na mortalidade. Em meio às sombras da extrema pobreza, onde a vida muitas vezes se curva ao peso da privação, o programa demonstrou que a pobreza e as patologias dela advindas, não é um destino inevitável, mas uma condição que pode ser enfrentada com ações corretas, sensibilidade e coragem.
Os resultados indicaram que a participação no PBF esteve associada a uma redução significativa na incidência de TB, com uma razão de taxa ajustada (RTA) de 0,59 (intervalo de confiança de 95%: 0,58–0,60), e na mortalidade por TB, com RTA de 0,69 (IC 95%: 0,65–0,73). Esses efeitos foram mais pronunciados entre indivíduos de etnia indígena, com RTA de 0,37 (IC 95%: 0,32–0,42) para incidência e 0,35 (IC 95%: 0,20–0,62) para mortalidade, e entre indivíduos de etnias negra e parda, com RTA de 0,58 (IC 95%: 0,57–0,59) para incidência e 0,69 (IC 95%: 0,64–0,73) para mortalidade. Além disso, indivíduos vivendo em extrema pobreza apresentaram reduções significativas, com RTA de 0,49 (IC 95%: 0,49–0,50) para incidência e 0,60 (IC 95%: 0,55–0,65) para mortalidade.
Baruch Espinosa, em sua filosofia da imanência, apontou que a liberdade do homem está em compreender a necessidade. Assim como a natureza segue suas próprias leis, a sociedade também se move por forças estruturais que, quando entendidas, podem ser transformadas. O Bolsa Família, ao intervir nas engrenagens da pobreza, promove não apenas o alívio imediato, mas também a compreensão de que a miséria e a doença podem ser mitigadas quando há vontade política.
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Ao lado dessas esperanças concretas, a realidade global nos oferece um contraste gritante. Relatórios da Oxfam revelam que, desde 2020, os cinco homens mais ricos do mundo dobraram suas fortunas, acumulando juntas mais de 869 bilhões de dólares, enquanto cinco bilhões de pessoas caíram em uma pobreza ainda mais profunda. Nietzsche, em sua obra “Assim Falou Zaratustra”, criticava a moralidade dos poderosos, que criam seus próprios valores para perpetuar seu domínio. Aqui, encontramos eco de sua crítica: enquanto poucos acumulam fortunas inimagináveis, a maioria luta por existências dignas.
Em terras brasileiras, a situação não é distinta. Quatro dos cinco bilionários mais ricos do país ampliaram suas fortunas em mais de 50% desde o início da pandemia, enquanto 129 milhões de brasileiros enfrentam a insegurança alimentar. Se Espinosa nos oferece a compreensão de que o homem pode ser livre ao entender a necessária causalidade das coisas, esses dados nos ensinam que a pobreza e a desigualdade são, em grande medida, frutos de uma distribuição de riqueza que não respeita minimamente a dignidade humana.
Prêmios Nobel de Economia, como Amartya Sem (1998), argumentam que o desenvolvimento não deve ser medido apenas pelo crescimento econômico, mas pela capacidade das pessoas de viverem vidas com dignidade. O conceito de “capabilidades” de Sen reforça a ideia de que não basta aumentar o produto interno bruto; é preciso garantir que cada indivíduo tenha acesso à saúde, educação e segurança. O Bolsa Família, nesse contexto, não é apenas um programa assistencialista, mas uma tentativa de ampliar as capabilidades daqueles que vivem à margem.
John Rawls (1994), em sua teoria da justiça como equidade, propõe que uma sociedade justa é aquela que oferece as maiores vantagens aos menos favorecidos. Sob essa luz, o Bolsa Família e programas semelhantes se apresentam como instrumentos de justiça social, ao assegurar que aqueles em situação de maior vulnerabilidade tenham suas chances de vida ampliadas. No entanto, enquanto há iniciativas que buscam redistribuir renda, o acúmulo de riqueza por uma minoria continua a crescer exponencialmente.
Thomas Piketty, economista francês, em seu livro publicado em português pela Editora Intrínseca em 2014, “O Capital no Século XXI”, analisou o aumento da desigualdade de renda e riqueza ao longo de três séculos em 20 países. Ele demonstrou que, em uma economia de mercado desregulada, a riqueza tende a se concentrar nas mãos de poucos. Piketty argumenta que, sem uma intervenção estatal robusta, a desigualdade econômica só se intensificará, ameaçando não apenas o bem-estar social, mas também a democracia. Os dados da Oxfam ilustram vividamente essa tese: enquanto bilionários acumulam fortunas, as condições de vida da maioria se deterioram, criando um ambiente de polarização e o cenário perfeito para a emergência de ditadores e falsos “Messias”.
É nesse contexto que a poesia se entrelaça à ciência, e a filosofia encontra o rigor dos dados. Pois, como nos lembra Espinosa, compreender é o primeiro passo para transformar. Assim, diante do abismo crescente entre ricos e pobres, não basta registrar as desigualdades; é preciso agir para saná-las. A tuberculose, uma doença que durante séculos acompanhou a miséria, mostra-se aqui como um indicador das iníquas sociais. Reduzi-la significa não apenas curar corpos, mas também resgatar vidas da marginalização.
Que essa reflexão inspire políticas mais justas, nas quais a riqueza não seja privilégio de poucos, mas instrumento de equidade. Que governos, economistas e cidadãos compreendam que não se constrói uma sociedade sólida sobre alicerces de desigualdade. Pois, como bem disse Nietzsche, “o que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”. E neste silêncio que tantas vezes ecoa diante das injustiças, o Bolsa Família surge como uma voz que se levanta em favor dos esquecidos.
Se o futuro for guiado por prêmios que celebram não apenas a criação de riqueza, mas a distribuição justa dela, talvez possamos vislumbrar um mundo onde a pobreza seja apenas uma lembrança, e a tuberculose, uma lição de como a ciência, a política e a vontade humana podem, juntas, transformar realidades. Que essa seja a nossa promessa, e que dela nasça um novo amanhecer. "Alvorada, lá no morro, que beleza!" Que essa alvorada seja também a nossa, afinal, “Ainda estamos aqui” e precisamos louvar histórias humanas de sucesso.