Não há prazer e vida fácil sem sacrifícios. Equilíbrio é o ponto comum entre caminhar sobre dois pés e ganhar o mundo sobre duas rodas -  (crédito: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)

Não há prazer e vida fácil sem sacrifícios. Equilíbrio é o ponto comum entre caminhar sobre dois pés e ganhar o mundo sobre duas rodas

crédito: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press


Foi muito cedo que a bicicleta chegou em minha vida. Durante semanas, namorei uma Caloi nas cores vermelha e branca na vitrine da loja do Sr. Alcides Bicalho, nosso vizinho de muro, em Ibiá.


Sonhei com ela pedalando nas nuvens e desbravando estradas mundo afora. Acordei no dia 25 de dezembro com ela embrulhada, ao lado da árvore de Natal. Minha vida nunca mais seria a mesma.

 


Com ela vieram ralados nos joelhos, cotovelos e algumas cicatrizes. A bicicleta, ainda bem cedo me ensinou que a terra não é plana. Subidas e descidas fazem parte do caminho. Não há prazer e vida fácil sem sacrifícios. Equilíbrio é o ponto comum entre caminhar sobre dois pés e ganhar o mundo sobre duas rodas.


O primeiro desafio foi tirar uma das rodinhas. Depois veio a segunda. Pronto! Eu estava livre no espaço e apto a enfrentar a Rua do Cascalho. Plana e aparentemente perfeita para os neófitos na arte de pedalar, se não fosse pelo cascalho. Treino para as muitas pedras pelo caminho a serem enfrentadas.


Vencer os 17 km entre a fazenda do meu avô e Ibiá foi o grande desafio dos meus primeiros dias sobre duas rodas. Mochila nas costas, uma garrafinha d’água e um sanduíche de goiabada com queijo, lá fui eu pela estrada poeirenta rumo a São Gotardo.

 


Um gambá morto e uma cobra esmagada pelas rodas pesadas de um caminhão logo me mostraram que nesse mundo eu era apenas mais um animal a ser abatido. Fica esperto e defenda-se! Siga sempre em frente, dizia o instinto do menino. Fui! Nada como o prazer de chegar.


Aos 11 anos, saí do meu ninho e fui estudar em Belo Horizonte. A bicicleta ficou para trás. BH não era lugar para se pedalar. Muito carro, muita montanha, muito risco, afirmou meu irmão, com quem fui morar.


Vez por outra, eu via um grupo de corajosos ciclistas de roupas coloridas desafiando os carros com suas bicicletas de pneu fino. Meus olhos brilhavam. No meu íntimo, o coração pedia: ainda vou andar com esses caras.


O tempo passou, me formei, casei e a barriga pesou. Num certo 20 de janeiro, voltando para casa na Nova Suíça, o trânsito na Avenida Amazonas travou em frente a uma loja de bicicletas. Resolvi me dar um presente. Fui acolhido por dois vendedores que me deram uma aula de ciclismo a qual eu nunca tinha tido. Saí da loja com uma bike e uma nova palavra que acabara de aprender para definir sonho e prazer.


No dia seguinte, após aniversário, me aventurei pela Avenida Teresa Cristina com o meu novo objeto de desejo. Com muitos anos e quilos a mais, fui logo rapidamente ultrapassado pelos caras das bikes de pneu fininho e roupa colorida. Tentei acompanhá-los. Impossível!


Na segunda volta deles e primeira minha, interpelei um deles que parecia ter mais ou menos a minha idade:


- Cara, espera aí! Como vocês conseguem pedalar tão rápido assim?!


Ele respondeu de forma lacônica e com certa arrogância:


- Treino!


-Posso treinar com vocês? Perguntei.


-Claro, mas com isso aí? Cê não consegue não - respondeu ele com ar de desprezo pela minha bike.
-O que tem de errado com ela e comigo?


-Tudo. Simplesmente, tudo.


-Então, por favor, me ensina a pedalar como vocês.


-Claro! Mas, volte para a loja e troque isso tudo. Vou com você até lá depois do treino.


Assim, Marcelo Castelões me introduziu no mundo do ciclismo do qual eu nunca mais saí. Juntos, organizamos, há 25 anos, a União Ciclística de Minas Gerais, a qual até hoje faz o seu giro regular na Lagoa da Pampulha, aos sábados, começando às 6h15 (primeiro pelotão) e 8 h da manhã (Giro oficial). Trata-se de uma ONG para controle de obesidade, hipertensão e promoção desse esporte que distribui mais de três dezenas de medalhas olímpicas, as quais ficam longe do nosso alcance.

O ciclismo, apesar de ser um esporte secular e um modal de transporte ecologicamente correto e valorizado no mundo desenvolvido, ainda é visto como algo marginal em nosso meio, prioritariamente movido a combustível fóssil, poluente e ultrapassado.


Enquanto o mundo pedala para frente, BH pedala na contramão da história. Alguns vereadores e candidatos a assumir a prefeitura em 2025 têm como plataforma eleitoral remover, a marretadas, as ciclovias recém-construídas.


A exemplo da prefeita de Paris, gostaríamos muito de ter candidatos que se comprometessem (de papel passado), até o final dos seus mandatos, a nadar no Rio Arrudas, ou mesmo na Lagoa da Pampulha. Mas, como essa parece ser uma meta que compromete o conveniente sumidouro de dinheiro público, pelo menos que eles abracem a causa do ciclismo e venham pedalar conosco pelas ruas da cidade.


Se quisermos uma cidade civilizada e coerente com a realidade climática no futuro, temos que saber muito bem em quem depositar nosso voto nas próximas eleições. Está em nossas mãos e consciência, não é obra do acaso, nem milagre divino.