Paulo Guerra
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Sem armazenamento de energia estamos desperdiçando nosso futuro

Vivemos em um país que gera energia em excesso, mas ainda vive no apagão da eficiência

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Temos sol, vento, água e biomassa em abundância, mas, em vez de usarmos essa riqueza para melhorar a vida das pessoas, simplesmente a desperdiçamos.

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Na última semana, participei de um evento no Rio de Janeiro em que um representante de Itaipu afirmou que a usina poderia dobrar sua produção apenas cobrindo 10% do lago com placas fotovoltaicas. Mas de que adianta gerar mais se continuamos jogando fora parte da energia que já produzimos?

Essa é uma questão estratégica que precisa ser tratada com urgência. Ou desenvolvemos soluções robustas de armazenamento, ou continuaremos reféns de um modelo que transforma abundância em ineficiência. A energia gerada nos horários de pico — por volta do meio-dia — é, em grande parte, desperdiçada. Isso faz o sistema elétrico operar com folgas e perdas, o que naturalmente aumenta as tarifas e compromete a segurança energética.

Quando pensamos em armazenamento, é comum pensarmos logo em baterias — e não há dúvida de que elas são fundamentais e a alternativa mais difundida. No entanto, estão longe de ser a única, ou mesmo a mais viável, em larga escala para o Brasil. Como já escrevi aqui, há meios igualmente ou até mais promissores: produção de hidrogênio verde, armazenamento térmico e sistemas gravitacionais, apenas para citar os mais conhecidos depois das baterias.

Mas há pelo menos dois grandes desafios para o avanço dessas soluções: o técnico e o sistêmico.

Do ponto de vista técnico, o hidrogênio exige avanços significativos em eficiência energética e infraestrutura segura para compressão, transporte e uso. O armazenamento térmico demanda sistemas mais simples e escaláveis de conversão de energia térmica em elétrica (e vice-versa), enquanto os sistemas gravitacionais ainda precisam ganhar eficácia para operar com altitudes e volumes de água mais razoáveis.

O grande entrave, em todos os casos, é a ineficiência do armazenamento — apenas uma fração da energia estocada pode ser recuperada posteriormente. Hoje, a taxa média de recuperação varia entre 10% e 30%, dependendo da tecnologia. O hidrogênio verde, por exemplo, pode perder até 70% da energia armazenada.

O problema técnico, porém, é amplificado por um problema sistêmico, ligado ao modelo de precificação da energia no Brasil. Como o atual sistema tarifário não reconhece o valor do armazenamento, ele desestimula os investimentos nessa área. Hoje, o preço da energia é calculado com base em contratos de fornecimento, tarifas de uso dos sistemas de transmissão e distribuição (TUST e TUSD), encargos setoriais e tributos.

Uma primeira proposta de solução seria a criação de tarifas específicas de armazenamento, calculadas conforme o montante de energia consumido nos momentos de baixa geração. Essa tarifa poderia financiar investimentos em armazenamento, da mesma forma que ocorre com os sistemas de transmissão e distribuição. No entanto, vincular a cobrança ao consumo em períodos de baixa geração pode punir consumidores que não controlam a oferta, além de gerar distorções de preço, efeitos sociais negativos sobre famílias de baixa renda e a necessidade de uma estrutura de medição e controle muito mais complexa.

Uma segunda alternativa seria exigir que geradores distribuídos de energias sazonais produzissem um percentual adicional em relação ao que consomem. Armazenadores, nesse caso, não pagariam pela energia utilizada durante os períodos de alta geração e receberiam pela venda da energia armazenada. Contudo, essa proposta pode desestimular a expansão da geração distribuída, especialmente da energia solar, e até provocar sobrecargas e curtailment (desligamento forçado de geração excedente), dependendo da localização de geradores e armazenadores.

A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) iniciou recentemente a regulamentação dos Sistemas de Armazenamento de Energia (SAE), adotando uma terceira alternativa: a cobrança de tarifas tanto na entrada quanto na saída da energia armazenada. Na prática, o mesmo kWh pode ser tarifado duas vezes. Esse modelo, no entanto, cria um desincentivo direto à adoção de baterias, usinas reversíveis e outras tecnologias, pois encarece artificialmente uma solução que deveria ser estratégica para o país. Além disso, não diferencia energia gerada em tempos de escassez ou excesso, ignorando o papel essencial do armazenamento para a estabilidade da rede e a segurança energética. 

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Como se vê, a solução não é simples. Embora urgentes, essas tecnologias exigem investimento, pesquisa, vontade política e uma reforma profunda na forma como precificamos e valorizamos a energia.

O Brasil precisa parar de tratar energia como um recurso infinito e começar a encará-la como o que de fato é: um ativo estratégico, que deve ser preservado, distribuído e armazenado com inteligência.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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