Quando você comemora a morte de alguém
A morte dessas pessoas sacia a sede de violência de uma parte lamentável da nossa sociedade
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Queria muito poder falar de coisas boas, mas hoje só posso lamentar pela ação policial que ocorreu no Rio de Janeiro, na última terça (28/10). Não existe pena de morte no Brasil, pelo menos não pela lei, mas na prática é diferente. Fiquei sem palavras, mas a Rachel Sheherazade fez um vídeo que falou por mim. Ela disse:
“Eu não estou entendendo porque as pessoas estão comemorando essa desastrosa operação policial no Rio de Janeiro que terminou com a morte de 121 pessoas, dos quais quatro policiais. A polícia entrou nos complexos para cumprir 100 mandados de prisão, não para cometer 117 execuções. Não tem como colocarmos todos os mortos na vala comum. São 117 criminosos mesmo? E que crimes eles cometeram? Se cometeram esses crimes, foram julgados, condenados pela Justiça? E ainda que fossem julgados e condenados, onde é que está escrito na lei brasileira que o Estado tem o direito de matar pessoas?
Os que defendem a execução sumária de seres humanos obviamente comemoraram. Para eles, pouco importa quem eram os mortos, se culpados ou inocentes. Pouco importa se entre eles havia um estudante voltando da escola, uma dona de casa na esquina da padaria, um trabalhador. Essas pessoas não têm nome, não têm rosto, e, principalmente, não têm dinheiro. São favelados, pretos, pardos, desafortunados, desempregados, subempregados, marginalizados. Morrendo muitos, ainda assim, não farão falta. Assim pensam alguns. A morte dessas pessoas sacia a sede de violência de uma parte lamentável da nossa sociedade.
Deixa eu dizer uma coisa: os traficantes do morro são peixes pequenos, os maiores e mais poderosos criminosos andam de jatinho, vivem em condomínios fechados de mansões, almoçam em restaurantes chiques e apertam as mãos de gente graúda de Brasília. Por que o governo não faz operações nesses lugares?
O policial aprende a odiar a favela de onde veio e não o sistema que o aprisiona. No fim das contas, o gatilho quem puxa é o policial; ele é quem suja a mão de sangue, mas a culpa da chacina é de quem manda matar.”
Foram mais de 100 pessoas mortas. Se matar fosse solução, viveríamos num país super seguro. Matar não resolve, embora muitos acreditem que essa seja a solução. A solução, de verdade, governo nenhum quer bancar, aquela base que todo mundo sabe qual é, mas que políticos insistem em ignorar por conveniência: saúde, educação, lazer e renda.
Criminosos deveriam ser julgados e condenados. A criminalidade deveria cair com investimento nas infâncias. O que falta no nosso país é educação de qualidade, é acesso a infraestrutura básica, que essas pessoas que moram na favela não têm. E por isso elas vão procurar o tráfico. E quem movimenta o tráfico não está na favela. Quem ganha mesmo com isso não está na favela. A origem disso aí não está na favela. A culpa não é do favelado. E quem mora em comunidades não mora por escolha, mora por falta de poder escolher…
Tem muita gente que não tem oportunidade por isso está ali. A gente precisa entender que não é indo à favela e participando de uma chacina que vamos acabar com o crime organizado. Governo não tem direito de sair matando as pessoas. Não tem direito de colocar policiais na linha de tiro. Foi uma ação completamente equivocada.
Os peixes pequenos estavam ali, os peixes grandes não moram na favela. Os peixes grandes têm muito dinheiro. Essa justiça da bala não está ajudando e ela vem de muito tempo. A violência dentro das favelas não é recente. Ela vem de décadas e nada se resolve porque políticas públicas para pessoas que moram na favela são inexistentes.
Precisamos cuidar da base e não sair matando as pessoas porque elas não deram certo. A questão é extremamente complexa para acharmos que vai ser resolvida na bala. Não vai. A violência é um projeto político. Se pessoas que ocupam cargos políticos fossem obrigadas a ter seus filhos estudando em escolas públicas, talvez tivessem alguma chance de mudança.
“Quando você comemora a morte de alguém, o primeiro que morreu foi você mesmo.” (Papa Francisco)
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.
