Bebel Soares
Bebel Soares
PADECENDO

Brasil: um estupro a cada 6 minutos

O absurdo não para por aí. Quase 80% das vítimas são menores de 14 anos, sendo que a faixa etária entre 10 e 13 anos concentrou o maior número de casos

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Às vezes acho que estou sendo repetitiva, que falo muito sobre violências contra mulheres, crianças e adolescentes, mas me dei conta que não sou eu, o repetitivo é o absurdo. E eu só falo, semanalmente, desse absurdo que se repete a cada 6 minutos no Brasil, em 2024. Foi o que apontou a 19ª Edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

O absurdo não para por aí. Quase 80% das vítimas são menores de 14 anos, sendo que a faixa etária entre 10 e 13 anos foi a que concentrou o maior número de casos. Mais da metade das vítimas são mulheres/ meninas negras. Outra coisa que esse levantamento confirma, é que a violência sexual é um crime majoritariamente intrafamiliar, ou seja, é praticado por alguém da família, dentro da casa da vítima. 20,3% eram parceiros ou ex-parceiros da vítima, o que mostra que o estupro não é sobre desejo, é sobre poder. Homens aprendem a objetificar e consumir mulheres.

Esses dados do anuário mostram um recorde no número de casos, mas precisamos entender que sempre houve uma subnotificação. Meninas que não têm acesso à educação sexual não sabem nomear as violências que sofrem, além de terem medo de contar, porque o abusador sempre se aproveita da sua posição para silenciar suas vítimas. Mulheres adultas, muitas vezes não denunciam a violência sofrida por seus parceiros porque não sabem o que é estupro marital.

A relação sexual forçada dentro do casamento tem esse nome, estupro marital, essa prática se dá por meio de ameaça ou violência. Se esposa disser “não”, e houver qualquer ato sexual depois desse “não” é estupro. Quero lembrar que, mesmo sendo consentido, muitas mulheres fazem sexo com seus companheiros por causa de uma ameaça velada e naturalizada, sabe quando dizem: se não tenho em casa, vou procurar fora? Pois é. O pior é que tem mulher que usa esse discurso contra outras mulheres, como se sexo fosse uma obrigação da mulher para evitar uma traição.

A velha masculinidade ainda vê as mulheres como seres humanos de segunda classe, que existem para servir aos homens. Quando a mulher não se submete, ela é violentada para “aprender a se submeter”. Mulheres e meninas são abusadas pelo ex, pelo atual, pelo pai, pelo primo, pelo tio, pelo irmão e pelo marido da tia. São dados, é uma realidade difícil de engolir, mas que precisa ser exposta para que mude. Sim, existem mulheres abusadoras, mas o número de homens é muito maior, e os dados mostram isso.

Meu estômago embrulha cada vez que penso nisso. Cada vez que uma paciente minha se lembra, em uma sessão de psicanálise, de uma violência sexual que sofreu na infância. São lembranças traumáticas que, muitas vezes, por falta de repertório para lidar com a situação na época do ocorrido, ficam bloqueadas no inconsciente. Já adultas, elas se recordam e conseguem elaborar e nomear a violência que sofreram. Homens adultos violentam meninas menores de 14 anos porque sabem que elas são mais fáceis de manipular, dominar e silenciar.

Infelizmente a cultura da pedofilia está presente em nossa sociedade e, muitas vezes nem percebemos. Quando acreditamos que uma mulher só vai ser desejada por um homem se ela estiver completamente livre de pelos, quando tiver um corpo lisinho, sem estrias e celulite, que o rosto não pode ter rugas, que o cabelo não pode ficar branco, sem querer, estamos fortalecendo essa cultura. Mulheres adultas têm pelos, têm rugas. Mulheres adultas envelhecem. Quando validamos o desejo pelo corpo infantilizado, acabamos validando o “desejo” por crianças.

Quando somamos a necessidade de objetificar e consumir mulheres com a validação do desejo pelo corpo infantil, com homens sendo incentivados, desde cedo a enxergar mulheres como seres inferiores, o que temos são esses dados absurdos. Um estupro a cada seis minutos, sendo 80% das vítimas, meninas menores de 14 anos. Junto com isso, também tivemos um aumento do número de feminicídios e de mortes de crianças e adolescentes, mesmo em meio a uma queda da violência no Brasil. Serei obrigada a seguir batendo nessa tecla.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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