grávida -  (crédito: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)

grávida

crédito: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press

Criança não deveria ser mãe, mas no Brasil, só em 2023, mais de 12 mil meninas entre 8 e 14 anos tiveram filhos. Todas elas foram vítimas de estupro, afinal, conforme o artigo 217-A do Código Penal, qualquer ato de natureza sexual com menor de 14 anos é considerado estupro de vulnerável.


 

São tantos casos que a gente até se perde. Recentemente, tivemos o caso da adolescente de Belo Horizonte que desapareceu. Ela foi encontrada e o “namorado”, de 38 anos, que já tinha medidas protetivas e não deveria se aproximar dela, foi preso. O relacionamento deles começou quando ela tinha 13 e ele tinha 35 anos. Esse e outros casos me levam a questionar o artigo do Código Penal. Por que só 14 anos? Não deveria ser mais? Adulto com adolescente de 16, 17, pode? Não deveria poder. Homem adulto sequer deveria olhar para uma menina de 13 anos! Nem de 14, nem de 15, nem de 16...


Achar normal esse tipo de relação entre homens adultos e adolescentes faz parte da cultura do estupro, a mesma que responsabiliza as meninas pelos abusos que elas sofrem de homens adultos. A sociedade trata o homem adulto como se ele fosse um sujeito incapaz de discernir o que é certo do que é errado, enquanto responsabiliza uma adolescente cujo cérebro ainda não está completamente formado pelos abusos que ela sofreu desse homem adulto.


Existem dados muito relevantes e muito tristes relacionados à violência sexual contra crianças e adolescentes: a maioria das vítimas de estupro, 61,3%, são meninas menores de 13 anos de idade; 70% dos estupros acontecem dentro de casa; mais de 80% acontecem com pessoas conhecidas; 44,4% dos estupros são cometidos por pais e padrastos.


Você leu certo, pais e padrastos. Um exemplo recente é o do pai que foi filmado dentro do hospital, abusando da própria filha de 17 anos, que estava internada na UTI com traqueostomia.


Imagine uma dessas meninas, sendo abusadas dentro de casa, pelos próprios pais e padrastos engravidando. Elas não tiveram aula de educação sexual na escola, porque disseram que isso era papel da família. A família não orientou, porque achou que era cedo demais e elas acabaram aprendendo na prática, sofrendo violências de quem deveria protegê-las, e sem saber que aquilo é errado, afinal, aquela pessoa é de confiança da família, e dela também.


Agora pense que, depois de uma série de violências, essa menina engravida do próprio pai ou do padrasto. Ela não sabe nada sobre gravidez ou sintomas, e só começa a ver que tem algo estranho quando a barriga já está crescendo. Não por acaso, meninas que sofreram estupro incestuoso só buscam seu direito ao aborto na 23ª semana de gestação, e acabam tendo o direito ao aborto legal negado pelo adiantado da gravidez.


O que essas meninas devem fazer? Gestar o filho do seu estuprador, levar a gravidez a termo correndo risco de vida e se tornando mãe do fruto de uma violência? Ou fazer um aborto e pegar 20 anos de cadeia?


Só podem adotar crianças pessoas maiores de 21 anos, como podemos permitir que meninas, de 8 a 14 anos, tenham filhos? Porque dão tanta importância à vida de um feto, mas não se importam com a vida de crianças que já nasceram? Ninguém quer precisar fazer um aborto, gente! Ninguém é a favor do aborto! Mas precisamos entender que em circunstâncias de violência ele é o caminho menos sofrido, ainda que brutalmente difícil para uma menina que tenha sido violentada. É cruel querer que ela leve a gestação até o fim!


Nossos caríssimos deputados deveriam estar trabalhando pelo enfrentamento desse tipo de violência, para que nenhuma menina passe por isso. Eles deveriam estar buscando formas de apoiar as vítimas, garantindo acesso rápido ao aborto legal, garantindo acompanhamento psicológico. Eles deveriam estar lutando para que a educação sexual aconteça em casa e nas escolas, para que, quando uma criança sofrer esse tipo de violência, ela saiba que aquilo é errado e tenha coragem de contar para um adulto.


Mas não, temos vários deputados que estão fazendo o oposto, querendo aprovar o PL1904 que, além de não ajudar a reduzir esses índices de violência contra meninas e mulheres, ainda quer criminalizar as vítimas! Imagine, 20 anos de prisão para uma menina que fizer um aborto, uma pena maior que a pena do estuprador. Não posso aceitar que isso passe pela cabeça dessas pessoas! Criança não é mãe!