
Entendendo as vacinas de RNA contra o câncer
As vacinas anti-câncer auxiliam o corpo a reconhecer proteínas únicas, conhecidas como antígenos, encontradas na superfície das células cancerígenas
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Os testes iniciais em camundongos de uma vacina universal de RNA mensageiro (m-RNA) para o tratamento do câncer ganharam ampla divulgação na mídia e nas redes sociais nas últimas duas semanas.
As vacinas atualmente em teste contra o câncer são um tipo de intervenção médica que visa prevenir ou tratar o câncer, a partir do estímulo do sistema imunológico do corpo para que ele próprio possa reconhecer e atacar as células cancerígenas.
As vacinas anti-câncer auxiliam o corpo a reconhecer proteínas únicas, conhecidas como antígenos, encontradas na superfície das células cancerígenas. Uma vez introduzidos, esses antígenos estimulam o sistema imunológico a produzir anticorpos, permitindo que ele mire e destrua células cancerígenas de forma eficaz.
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Existem vários tipos de vacinas contra o câncer, incluindo:
1. Vacinas preventivas (profiláticas): são concebidas para prevenir o desenvolvimento de certos tipos de câncer. Por exemplo, a vacina contra o papilomavírus humano (HPV) pode ajudar a prevenir o câncer do colo do útero e a vacina contra a hepatite B pode ajudar a prevenir o cancro do fígado. Outras vacinas preventivas, embora bastante promissoras, ainda estão em fase muito embrionária de desenvolvimento.
2. Vacinas terapêuticas: são utilizadas como parte do tratamento do câncer, muitas vezes em combinação com outros tratamentos, como cirurgia, radioterapia, quimioterapia ou, mais recentemente, a imunoterapia. As vacinas terapêuticas funcionam aumentando a capacidade do sistema imunológico de reconhecer e destruir as células cancerígenas. Alguns exemplos incluem sipuleucel-T para câncer de próstata e algumas vacinas geradoras de neoantígenos associadas ao pembrolizumabe para certos tipos de câncer avançado.
3. Vacinas contra o câncer personalizadas: são adaptadas especificamente ao câncer de um indivíduo, tendo em conta as mutações genéticas ou outras características únicas de seu tumor.
A vacina amplamente divulgada na mídia na semana passada foi desenvolvida por uma equipe da Universidade da Flórida, nos EUA. Trata-se de ma vacina experimental de mRNA "universal" contra o câncer — projetada não para prevenção, mas como imunoterapia terapêutica — que estimula o sistema imunológico a atingir qualquer tipo de tumor.
Em modelos pré-clínicos em camundongos, essa vacina não apenas reduziu os tumores isoladamente (incluindo cânceres de pele, ossos e cérebro), mas também demonstrou maior eficácia quando combinada com inibidores de ponto de controle imunológico, como os bloqueadores de PD-1 (proteína que “esconde” imunologicamente as células cancerígenas no organismo humano). Em vez de atingir antígenos cancerígenos específicos, a vacina funciona mimetizando uma infecção viral, desencadeando assim uma resposta imune inata. Ela aumenta a expressão tumoral de PD-L1, proteína essa que torna as células malignas mais detectáveis pelas células T e promove a sinalização do interferon tipo I e a disseminação de epítopos — o que amplia o ataque imunológico a vários antígenos tumorais.
Publicado na Nature Biomedical Engineering, esse estudo está atualmente em fase pré-clínica. Os pesquisadores pretendem iniciar os testes em humanos em breve.
Entretanto, há outras vacinas de m-RNA em fases mais avançadas de desenvolvimento, inclusive já testadas em estudos prospectivos controlados de fase 3, como o da vacina V940, estudo do qual nosso Centro de Pesquisas da Clínica Personal Oncologia de Precisão de Belo Horizonte teve a honra de participar.
O mRNA-4157 (V940) é uma vacina experimental personalizada contra o melanoma, desenvolvida pela Moderna em colaboração com a Merck, que utiliza a tecnologia de mRNA para estimular o sistema imunológico a atacar as células cancerígenas. Essa vacina é personalizada para cada paciente, identificando e codificando até 34 neoantígenos únicos do tumor de cada indivíduo. O mRNA-4157 está sendo testado em combinação com um imunoterápico já aprovado e em uso comercial, o pembrolizumabe, que é um inibidor dos pontos de checagem imunológicos, em pacientes com melanoma de alto risco após a remoção cirúrgica do tumor.
Em um estudo de fase 2, a combinação de mRNA-4157 e Keytruda mostrou uma redução de 44% no risco de recorrência ou morte do melanoma em comparação com o Keytruda isoladamente, em pacientes com melanoma de estágios III ou IV após três anos de acompanhamento.
Como funciona:
- Sequenciamento do tumor: o tumor do paciente é sequenciado para identificar mutações que podem ser reconhecidas pelo sistema imunológico
- Identificação de neoantígenos: com base no sequenciamento, são identificadas proteínas anormais (neoantígenos) que podem ser alvo do sistema imunológico
- Produção da vacina: o mRNA-4157 é produzido com base nas informações genéticas do tumor, codificando os neoantígenos identificados
- Administração: a vacina é administrada por injeção, juntamente com o Keytruda
- Resposta imunológica: o mRNA é traduzido em neoantígenos dentro do corpo, que são apresentados às células do sistema imunológico, desencadeando uma resposta imunológica contra as células cancerígenas
Se aprovada, a vacina mRNA-4157 pode se tornar uma nova ferramenta importante no tratamento do melanoma e potencialmente de outros tipos de câncer.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.