
Recodificando o DNA e o futuro da medicina
A capacidade de se mudar uma sequência de DNA por uma nova sequência escolhida é fundamentalmente poderosa
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Uma revolução está em andamento na edição genética — e na vanguarda está David Liu, um biólogo molecular americano cujo trabalho pioneiro está reescrevendo os blocos de construção da vida com precisão e sem precedentes.
Professor do Broad Institute do MIT e de Harvard, Liu recebeu recentemente o Prêmio Breakthrough em Ciências da Vida por desenvolver duas tecnologias transformadoras: uma que já está melhorando a vida de pacientes com doenças genéticas graves, e a outra, prestes a remodelar a medicina nos próximos anos. Ele receberá US$ 3 milhões por seu trabalho em "edição de base" e "edição principal", e planeja doar a maior parte para apoiar sua fundação de caridade.
A capacidade de se mudar uma sequência de DNA por uma nova sequência escolhida é fundamentalmente poderosa. Tal avanço pode revolucionar não apenas a medicina humana, mas também áreas como o desenvolvimento de culturas mais nutritivas ou resistentes a doenças.
Corrigindo o código
O DNA é composto de quatro "letras" químicas — as bases de nucleotídeos A, G, T e C. Mutações nessa sequência causam milhares de doenças humanas, mas, até recentemente, a edição genética só conseguia consertar um número limitado delas. Até mesmo o CRISPR-Cas9, a tecnologia inovadora que ganhou um Prêmio Nobel em 2020, tem grandes limitações. Ele corta ambas as fitas da hélice do DNA, tornando-o mais útil para interromper em vez de corrigir genes, enquanto o processo pode introduzir novos erros.
Ser capaz de usar a edição do genoma para tratar doenças genéticas requer, na maioria dos casos, maneiras de corrigir um erro de grafia do DNA, não simplesmente interromper um gene. Essa percepção levou seu laboratório a desenvolver a edição de base, que usa a proteína Cas9 — desabilitada para que não possa mais cortar ambas as fitas de DNA — para encontrar uma sequência de DNA alvo e outra enzima para converter uma letra em outra — por exemplo, C em T ou G em A. Reverter a mudança — de T para C ou A para G — foi mais difícil. A equipe de Liu superou o desafio projetando enzimas inteiramente novas.
Esses editores de base agora podem corrigir cerca de 30% das mutações que causam doenças genéticas. A tecnologia já está em pelo menos 14 ensaios clínicos. Em um deles, a Beam Therapeutics — que Liu cofundou — anunciou que havia tratado pacientes de AATD, uma doença genética rara que afeta os pulmões e o fígado, com uma única infusão de medicamento.
Enquanto as terapias genéticas tradicionais geralmente interrompem genes defeituosos ou os contornam, a edição de base repara a mutação em si. Essa foi a primeira vez que humanos corrigiram uma mutação que causa uma doença genética em um paciente.
Esperança para fibrose cística
A edição de base, rapidamente apelidada de "CRISPR 2.0", não pode consertar todas as mutações. Cerca de 70% das cerca de 100 mil mutações causadoras de doenças conhecidas permanecem fora de seu alcance, incluindo aquelas causadas por letras faltantes ou extras.
Para expandir o kit de ferramentas, o laboratório de Liu introduziu a edição principal em 2019 — um método capaz de substituir seções inteiras de DNA defeituoso por sequências corrigidas.
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Se CRISPR é como uma tesoura que corta DNA, e editores de base são como usar um lápis para corrigir letras individuais, então a edição principal é o equivalente à função "localizar e substituir" de um processador de texto.
A criação dessa ferramenta exigiu uma série de avanços que a equipe de Liu descreve como "pequenos milagres". O resultado é, ele disse, "a maneira mais versátil que conhecemos de editar o genoma humano".
Entre os alvos que Liu e sua equipe já perseguiram com a edição principal está a fibrose cística, doença genética comum, geralmente causada pela falta de três letras de DNA e que causa acúmulo de muco espesso nos pulmões e no sistema digestivo.
O laboratório de Liu tornou grande parte de seu trabalho livremente acessível, compartilhando projetos de DNA por meio de uma biblioteca sem fins lucrativos usada por dezenas de milhares de laboratórios em todo o mundo.
Os prêmios Breakthrough Prize deste ano chegam em um momento tenso para a ciência dos EUA, já que o governo do presidente Donald Trump retira o financiamento de instituições como o National Institutes of Health (NIH).
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.