Ana Mendonça
Ana Mendonça
EM MINAS

De volta à Raja, mas só no feed

Nos bastidores, a engrenagem é industrial: há deputados com mais de dez postagens prontas para cada etapa do julgamento, como linha de montagem de engajamento

Publicidade

Mais lidas

Em Minas, o espaço público nunca foi mero cenário: é palco de destinos nacionais. Da forca de Tiradentes em Vila Rica ao corpo de Tancredo em comoção cívica, do sonho de Brasília arquitetado por JK ao coro dos caras-pintadas na Praça Sete, cada geração encontrou aqui sua ágora. Em novembro de 2022, foi a vez da Raja Gabaglia, em Belo Horizonte. Durante dois meses, a avenida se converteu em quartel-general da insubordinação, tomada por barracas, bandeiras, buzinaços e pela recusa ao resultado das urnas.

Quase três anos depois, o mesmo endereço retorna ao noticiário. Mas a cena é outra: poucas pessoas, pequenos cartazes e uma sombra da fortaleza de 2022. A ironia é histórica: Jair Bolsonaro (PL), líder que insuflava os acampamentos em todo Brasil, é julgado em Brasília por tentativa de golpe. Agora, a batalha não cabe mais nas ruas. Passou a ser digital.

A coluna teve acesso aos números da Catalisar Estratégia e Dados, responsável por medir o pulso da direita entre 28 de agosto e 3 de setembro. O julgamento de Bolsonaro no Supremo é o estopim da nova batalha. Dentro da Corte, votos e discussões. Fora dela, nos feeds, a disputa por narrativas.

Os números falam por si: Nikolas Ferreira (PL-MG) somou 2,73 milhões de interações em quatro postagens (3,73%). Jeffrey Chiquini, advogado com 1,7 milhão de seguidores, alcançou 1,66 milhão de interações em 27 postagens (3,7%) e foi o único a rivalizar com Nikolas entre os dez conteúdos mais engajados.

Deltan Dallagnol (Novo-PR), com 985 mil, superou Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que ficou em 825 mil. Já Pablo Marçal (PRTB-SP), mesmo com 12,5 milhões de seguidores, perdeu mais de 5 mil no período e registrou apenas 283 mil interações. Entre os de menor desempenho, como Caio Coppolla e Paulo Figueiredo, chama a atenção a alta periodicidade de postagens com engajamento proporcionalmente baixo.

Nos bastidores, a engrenagem é industrial: há deputados com mais de dez postagens prontas para cada etapa do julgamento, como linha de montagem de engajamento. Em Minas, enquanto parte do bolsonarismo aposta em São Paulo como epicentro do 7 de setembro, outros defendem que capitais como Belo Horizonte mantenham protagonismo. Divergência nas ruas, unidade nas redes.

É nesse tabuleiro que Minas também ganha centralidade. Não por acaso, Lula (PT) já esteve no estado oito vezes em 2025, sempre transformando em caixa de ressonância para combater o bolsonarismo. Quando discursou contra a anistia na quinta-feira (4/9), foi nas redes que suas palavras ganharam efeito imediato, alcançando os trending topics e convertendo BH em trincheira da guerra virtual.

Fato é que a Raja permanece como cicatriz no asfalto, lembrança de um país que flertou com o abismo. O julgamento em Brasília devolve o líder ao banco dos réus, mas o campo de batalha já não se ergue em praças nem em avenidas. Ele se dissolve em códigos, em métricas invisíveis, em algoritmos que transformam ressentimento em poder. A democracia, que se alimentava do corpo coletivo nas ruas, hoje enfrenta seu teste mais severo: resistir ao encolhimento de si mesma dentro das fronteiras de um feed.

7 de setembro na vitrine

O presidente nacional do PT, Edinho Silva, desembarcou em Belo Horizonte com o discurso de unidade e o horizonte de Lula 2026, mas o pano de fundo foi a disputa em torno do 7 de setembro. Enquanto a direita mobiliza a Praça da Liberdade para gritar “Anistia já”, o PT tenta construir seus próprios atos sem cair na armadilha da comparação de público. A avaliação nos bastidores é de que o partido precisa marcar presença simbólica, ainda que não dispute no grito o espaço ocupado pelo bolsonarismo.

Praça da Liberdade como termômetro

Nos bastidores, a preocupação gira em torno do peso simbólico da Praça da Liberdade durante as manifestações deste dia 7. Se a direita encher o cartão-postal de verde e amarelo e a esquerda repetir o esvaziamento dos últimos atos, a imagem consolidada será a de fragilidade progressista na capital. Dirigentes petistas lembram que a praça tem valor não apenas estético, mas histórico: é espaço de memória democrática, hoje reivindicado pela direita como vitrine para suas narrativas.

Leninha virou endereço obrigatório

Recém-eleita presidenta estadual do PT, a deputada Leninha transformou seu gabinete na Assembleia Legislativa em ponto de peregrinação. Foi a mais disputada desta sexta-feira: fila de abraços, tapinhas nas costas e sorrisos largos. Até petistas que, até ontem, duvidavam de sua força, agora fazem questão de cumprimentar. Quem não passar pela mesa dela corre o risco de parecer fora do jogo interno.

Reginaldo e Rogério de longe

A cena curiosa da entrevista coletiva petista foi o reencontro a distância entre os deputados federais Reginaldo Lopes e Rogério Correia. Os dois, que se evitavam havia tempo de se cruzar após disputas internas pelo comando da legenda, dividiram espaço, mas sem trocar mais que olhares gelados. O gesto foi visto como um recado silencioso: a pacificação ainda não se materializou, mesmo sob a tentativa de Edinho de juntar os cacos. 

Siga nosso canal no WhatsApp e receba notícias relevantes para o seu dia

Eleição de 2026 no horizonte petista

A posse do diretório estadual do PT também serviu para ensaiar movimentos de olho em 2026. O senador Rodrigo Pacheco (PSD) continua como possível aposta para a aliança majoritária, mas o partido prefere não se prender a um único nome. Na lista de reservas, o deputado Reginaldo Lopes, as prefeitas de Juiz de Fora, Margarida Salomão, e de Contagem, Marília Campos, aparecem como opções internas, caso o cenário mude. A lógica é clara: marcar território desde já para não chegar refém às negociações do próximo pleito.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

Acesse o Clube do Assinante

Clique aqui para finalizar a ativação.

Acesse sua conta

Se você já possui cadastro no Estado de Minas, informe e-mail/matrícula e senha. Se ainda não tem,

Informe seus dados para criar uma conta:

Digite seu e-mail da conta para enviarmos os passos para a recuperação de senha:

Faça a sua assinatura

Estado de Minas

Estado de Minas

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Aproveite o melhor do Estado de Minas: conteúdos exclusivos, colunistas renomados e muitos benefícios para você

Assine agora
overflay