
Colecione memórias
Quando falamos em memórias, falamos também de vínculos. Percebemos que as lembranças mais fortes geralmente são construídas junto daqueles que amamos
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Vivemos como se houvesse sempre tempo. Tempo para amar, para viajar, para encontrar amigos, para estar com quem é importante. Mas, em alguns momentos, a vida nos lembra de que o tempo não é infinito. Há alguns anos, acompanhei meu pai em um CTI e, entre a espera e a observação silenciosa, me peguei olhando os leitos ao redor. Quem eram aquelas pessoas? Que caminhos haviam percorrido até ali? Estariam orgulhosas do que viveram ou guardavam arrependimentos em silêncio? Naquele instante, suspensos das rotinas, o que realmente importava?
Essa pergunta ainda me visita. No consultório, encontro pessoas cansadas, exaustas de correr atrás de conquistas e títulos, acreditando que a próxima meta será a chave da felicidade. Sim, realizar sonhos é valioso. Conquistas podem trazer conforto e tranquilidade. Mas, no mundo acelerado e comparativo em que vivemos, percebo que, quanto mais se persegue “ter”, mais se perde “ser”: os afetos ficam pelo caminho, o presente passa despercebido e a vida, pouco a pouco, vai se esvaziando de sentido.
A ciência confirma essa percepção. Um estudo clássico (Brickman, Coates & Janoff-Bulman, 1978) comparou a felicidade de ganhadores da loteria e vítimas de acidentes. O resultado surpreende: depois da euforia inicial, os vencedores não eram mais felizes no cotidiano do que pessoas comuns, e muitas vezes relatavam menos prazer em pequenas alegrias diárias.
Décadas depois, uma pesquisa com ganhadores de prêmios na Suécia trouxe nuances: a satisfação com a vida aumentava e se mantinha, mas o sentimento de alegria diária não seguia a mesma proporção. Ou seja: bens e conquistas podem até mudar como enxergamos a vida, mas não garantem alegria contínua.
É nesse ponto que a psicologia positiva oferece caminhos práticos. Barbara Fredrickson, com sua teoria Broaden-and-Build, mostrou que cultivar emoções positivas frequentes amplia nossa capacidade de enfrentar desafios e fortalece vínculos. Martin Seligman, por sua vez, apresentou o modelo Perma, que indica cinco pilares essenciais para uma vida plena: emoções positivas, engajamento, relacionamentos, propósito e realizações. Juntos, eles lembram que felicidade não está apenas no que conquistamos, mas no que construímos dentro de nós e ao redor de nós.
E como trazer isso para a vida prática? Talvez esteja em coisas simples, mas que trazem grandes resultados:
• Criar rituais: um jantar de domingo em família, um café semanal com amigos, ou uma caminhada no fim do dia.
• Registrar momentos: escrever em um caderno ou guardar fotos não para postar, mas para revisitar quando o coração pedir.
• Presença plena: desligar do celular em encontros importantes, olhar nos olhos, ouvir com atenção.
• Celebrar pequenas vitórias: marcar não só a formatura ou a promoção, mas também o primeiro bolo que deu certo, o livro concluído, o reencontro inesperado.
• Praticar gratidão: ao fim do dia, lembrar de três momentos bons, por menores que sejam, ajuda a fortalecer a memória do que importa.
• Meditar: reservar alguns minutos do dia para respirar com consciência, silenciar a mente e observar o presente.
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Como exemplo disso, nesta semana uma paciente me confidenciou que: “a meditação e o diário da gratidão me ajudaram a valorizar as pequenas coisas e a me tornar uma pessoa melhor, que nunca fui antes”. Essa fala traduz o quanto pequenas práticas podem transformar nossa percepção de vida e nos aproximar daquilo que é essencial.
Quando falamos em memórias, falamos também de vínculos. Percebemos que as lembranças mais fortes geralmente são construídas junto daqueles que amamos. São as histórias vividas em família, as risadas com os filhos, as viagens improvisadas, as conversas à mesa, os abraços demorados, que se transformam em recordações duradouras. O tempo que dedicamos aos que amamos não é gasto, é investimento no que permanecerá mesmo quando os dias difíceis chegarem. Uma infância marcada por afeto, por momentos compartilhados, por memórias significativas, é um legado que os filhos levam para a vida inteira, e que, no futuro, poderá ser também o porto seguro deles.
Se ampliarmos esse olhar, percebemos que essas memórias não se limitam apenas à família. São também os encontros com os amigos, as confidências trocadas em longas conversas, as viagens que se tornam histórias contadas e recontadas, os gestos de cuidado que marcam para sempre. São nesses instantes, quase sempre simples, que deixamos marcas profundas e construímos um legado afetivo.
No fim, talvez a grande conquista seja esta: colecionar memórias que nos sustentem nos dias difíceis, que aqueçam o coração quando o futuro parecer incerto, e que nos façam sentir que, sim, valeu a pena estar aqui. Porque, quando olharmos para trás, não será o tamanho da conta bancária que dará sentido à nossa história, mas a qualidade dos momentos vividos, a força dos vínculos que cultivamos e as memórias que guardamos junto de quem amamos.
Como escreveu o poeta Cesare Pavese: “Não lembramos dos dias, lembramos dos momentos”.
Que a vida nos conceda a sabedoria de criar memórias que mereçam ser guardadas, revividas no coração e compartilhadas com aqueles que amamos.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.