Homenagem a quem trabalha no campo e alimenta a cidade
Na data dedicada ao produtor rural, um panorama do cotidiano na lavoura, o orgulho de quem vive da terra, os desafios do clima e da falta de infraestrutura
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Siga noAssim como se destaca no setor de mineração, no comércio e na indústria, Minas Gerais conta com uma grande riqueza que vem do campo, gerada por um protagonista que, por sua importância, é homenageado neste 28 de julho, Dia do Agricultor. Atualmente, o agronegócio movimentado por esses homens e mulheres responde por 22,2% do Produto Interno Bruto (PIB) mineiro, que totalizou R$ 1,058 trilhão em 2024. O estado também é um dos protagonistas da produção agrícola brasileira, respondendo por 7,97% do PIB do agro do país. Nessa área, é líder na produção nacional de café e leite, com números expressivos também em carne bovina, carne de frango, soja, florestas plantadas, cana-de-açúcar e milho.
“Esses números refletem a força e a capilaridade do campo mineiro, composto majoritariamente por pequenos e médios produtores”, afirma o presidente da Federação da Agricultura do Estado de Minas Gerais (Faemg), Antônio de Salvo. Ele lembra o estado tem 607.557 estabelecimentos agropecuários, de acordo os dados do último Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas(IBGE), de 2017.
“O Dia do Agricultor é o momento para reconhecer a importância dos homens e mulheres que trabalham no campo e, de sol a sol, produzem o alimento que chega à mesa da população. Esse trabalho também impulsiona o PIB, gerando efeitos que vão muito além das propriedades rurais: impulsionam a economia, levando desenvolvimento para as cidades e regiões”, destaca o presidente da Faemg.
“É muito importante ter uma data para homenagear o agricultor, pois, como diz o ditado: 'Se o campo não planta, a cidade não janta'. Reconhecer e valorizar os agricultores é validar o trabalho diuturno, de segunda a segunda, de quem move a economia do nosso estado e país”, avalia o gerente regional do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Sistema Faemg/Senar) em Montes Claros, Dirceu Martins Pereira Júnior.
Desafios e queixas
Os agricultores superam dificuldades e dinamizam a economia também em regiões atingidas pela carência de chuvas, como o Norte de Minas, onde a categoria também se queixa de barreiras para o licenciamento ambiental. A “situação complexa” é avaliada pelo presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Montes Claros, Alexandre Rocha. “O produtor do semiárido norte-mineiro convive com longos períodos de estiagem e limitações na legislação ambiental, principalmente no que se refere ao uso da água”, diz.
Alexandre Rocha se queixa de outra questão que incomoda produtores rurais norte-mineiros, que é a definição da vegetação da região como de Mata Atlântica, limitando a exploração agrícola. “Basta uma curta viagem pela nossa zona rural para perceber que estamos inseridos nos biomas de caatinga e cerrado. Por causa dessa caracterização errônea, estamos submetidos a uma política de desmatamento zero, impedindo a exploração do nosso potencial agrícola. Ainda assim, esse agricultor tem sido um agente de resistência”, afirma o ruralista.
Superar obstáculos
A superação no campo é personificada pelo produtor familiar Rafael Froes Carvalho, de 38 anos, da comunidade de Pradinho, em Montes Claros. Filho de agricultor, Rafael cultiva folhagens de hortaliças (alface, cebolinha, couve, couve-flor e brócolis) em uma área de cinco hectares, em parceria com a mulher, Ranielle Amaral, de 30, e com o auxílio de três trabalhadores.
“Aqui, a gente tem que plantar, cuidar, colher e vender”, diz Rafael, que, acompanhado de Ranielle, trabalha todos os dias da semana, “de segunda a segunda”. Os dias mais sacrificantes são as segundas e quartas-feiras, quando o casal leva a produção para a venda na Central do Abastecimento do Norte de Minas (Ceanorte), em Montes Claros, a 14 quilômetros da localidade, quatro deles de terra. “A gente precisa acordar meia-noite e meia para preparar as coisas, pegar a estrada e chegar à Ceanorte, onde a feira começa as 4h da manhã”, detalha o agricultor familiar. “Voltamos para casa por volta das 8h. Descansamos um pouquinho e pegamos no serviço de novo”, detalha.
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O plantio de hortaliças é mantido com água de pequeno manancial que passa no fundo da propriedade: o Rio Vale, que deságua no Rio Pacuí, afluente do Rio São Francisco. Mas, no período da estiagem, o leito seca de vez e o casal precisa recorrer a um poço tubular de baixa vazão. “A gente usa a irrigação de por microaspersão e por gravidade para economizar água”, frisa Rafael, lembrando que também reduz o tempo da irrigação para gastar menos com a energia elétrica.
Além da dura rotina e da limitação do recurso hídrico, Rafael precisa superar outra barreira: a precariedade dos quatro quilômetros de estrada de terra que precisa percorrer para escoar a produção. Em um trecho de subida, o caminho está praticamente intransitável, afirma, com buracos e muita poeira. Segundo ele, a dificuldade para vencer o percurso é imensa, até mesmo para veículos mais fortes, como sua caminhonete, que muitas vezes quebra no percurso malconservado.
Orgulho e valorização
“Acho que o agricultor deveria ser mais valorizado. O poder público deveria cuidar mais das estradas e nos dar mais apoio, mais recursos e mais assistência”, diz Rafael. Apesar da reclamação, ele demonstra orgulho com a atividade no campo. “Para mim, é muita satisfação e muito gratificante saber que a gente produz alimentos. O agricultor é fundamental (na vida das pessoas). Sem, ele, não tem alimento”, afirma o produtor.
“Gosto demais do que faço. Vim de uma família da roça, onde, desde pequena, minha mãe me ensinou a trabalhar”, afirma Ranielle, que, além do trabalho na lavoura, cuida da filha Isadora, de 3 anos. “Eu gosto de ir até a Ceanorte, de vender e conversar com meus clientes’, completa.
A agricultora confessa que não se importa de pegar no pesado e se sente satisfeita por trabalhar com o marido. “Eu planto, capino, colho, vendo. Para mim, no serviço não tem diferença entre homem e mulher”, afirma. Na produção de hortaliças, ela somente não ara a terra. “Isso porque não aprendi a dirigir o trator, ainda”, assinala.
O orgulho do casal de Montes Claros é compartilhado por trabalhadores como José Adilsom Durães, de 51, agricultor na localidade de Catuni, no município de Francisco Sá, também no Norte de Minas. “Tenho muito orgulho de saber que contribuo um pouco para produzir alimento, para ajudar a sustentar a população. Faço isso com prazer e acho que é um dever meu”, afirma.
No campo desde a infância, ele conta que produz “quase de tudo um pouco”: feijão, milho, frango caipira, hortaliças, mel de abelha, rapadura e outros derivados da cana, como doces de rapadura com laranja, amendoim e mamão, além de açúcar mascavo. Mantendo uma antiga tradição, trabalha na moagem de cana no engenho nesta época do ano, durante a estiagem.
Em sua rotina, acorda ainda de madrugada e pega no batente às 6h. Nas tarefas, conta com o auxílio da mulher, Euza Aparecida da Silva Durães, de 52. Para produzir, recorre à água captada em uma nascente da região. Mas, lembra que faz o uso racional da água, porque sabe que o recurso é limitado. “A água vem por gravidade. A gente economiza com um sistema de irrigação que gasta menos, sempre inovando. Também conservamos as nascentes dentro da propriedade para nunca faltar água”, assegura.
O agricultor se preocupa com as mudanças no clima, das quais já sente os efeitos. “A gente vê as mudanças climáticas com grande preocupação. Está mudando muito, e rápido. A água já diminuiu muito. Muitas nascentes já secaram”, constata. “Como a gente foi criado no semiárido, aprende a lidar com as mudanças climáticas e com a seca. Não tem outro jeito”, diz ele.
O agricultor vende sua produção de porta em porta, diretamente ao consumidor. Mas, também adota tecnologia. “Faço vendas também pelas redes sociais, pelo WhatsApp. As pessoas fazem as encomendas e levo até as casas delas”, revela.
Além do orgulho da profissão, Adilsom exibe felicidade pela realização de suas filhas na educação superior: Hellen Felicidade, de 29, graduada em zootecnia; Tânia Marta, de 26, formada em agronomia; e Maria Hérika, de 21, que está concluindo o curso de engenharia florestal.
O pequeno produtor cobra dos governos “uma estrada boa para escoar a produção”, menos burocracia para a liberação de financiamentos e a instalação de um sistema de internet mais barato e voltado para o homem do campo.
No mesmo Norte de Minas, em outro ponto do município de Francisco Sá, na região de Vaca Brava e Coqueiros, trabalha Alberto Nunes Mourão Neto, um produtor bem estruturado, que atua na fruticultura e pecuária, de corte e de leite. Ele é dono de uma área de 300 hectares, na verdade, três fazendas vizinhas. Uma delas pertenceu ao seu bisavô, João de Deus Dias.
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“Nossa região passa por longos períodos de seca. Temos que fazer reservas estratégicas para o rebanho ter comida em todo o período de estiagem”, diz o agricultor, que usa água de poço tubular. Ele chama a atenção para o uso da tecnologia no campo. “Hoje, tecnologias são bastante acessíveis e houve uma evolução muito grande na área de produtividade, na área de fitotecnia, na área de reprodução animal, o que nos facilita para ter um resultado favorável com essas atividades”, afirma, lembrando que conta com equipamentos como ordenha mecânica, tanque de resfriamento de leite, tratores e siladeiras, além de fazer inseminação artificial.
Alberto comercializa frutas na Ceanorte, em Montes Claros, e fornece leite para a Cooperativa dos Produtores Rurais de Francisco Sá (Cooperfrasa). Além disso, costuma vender boi gordo para um frigorífico de Janaúba, na mesma região. “Para mim, ser agricultor é muito gratificante. Sou formado em agronomia, sempre gostei muito da área das ciências agrárias e vejo o produtor hoje como a ponta da cadeia alimentar mundial. Sem ele, nós não vivemos; sem o alimento do dia a dia, não sobrevivemos”, afirma. “Mas vejo que falta incentivo do governo para o agro. Temos um país com o maior potencial do mundo, as melhores terras, maior potencial hídrico. Só precisa de incentivo”, avalia.
Obstáculos e avanços
O presidente da Faemg, Antônio de Salvo, afirma que os agricultores mineiros e brasileiros enfrentam muitos desafios. Por outro lado, lembra que, nos últimos anos, houve muitos avanços, incluindo o acesso à informação, inovação e tecnologia, que também são fundamentais para a competitividade no campo. “Um dos principais desafios do agricultor brasileiro é o acesso à tecnologia e à inovação, especialmente para os pequenos e médios produtores. É preciso desenvolver soluções que considerem as realidades regionais, produtivas e de mercado”, observa.
Além disso, pondera o presidente da Faemg, existem entraves estruturais, como infraestrutura deficiente (energia elétrica, conectividade, estradas e ferrovias), segurança pública e jurídica e falta de mão de obra qualificada, que afetam diretamente a produção agropecuária e precisam ser superados.
Contudo, o presidente da Faemg avalia que o homem do campo ainda tem muito a comemorar na data dedicada a ele. “Minas é referência nacional em várias cadeias produtivas, com uma agropecuária que gera empregos, renda, divisas e segurança alimentar. Celebrar esta data é valorizar o protagonismo do agricultor na construção de um Brasil mais forte, justo e desenvolvido.”