Cultura da mandioca mostra a importância do trabalho da Embrapa Cerrados
Bioma ocupa 24% do território brasileiro e é responsável por 60% da produção agrícola nacional, tendo o tubérculo como uma das principais culturas
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Siga noO solo ácido e os seis meses de seca, seguidos por seis meses de chuvas (com um breve veranico), já condenaram o Cerrado – que ocupa quase 24% do território brasileiro – a um vazio produtivo. No entanto, com o desenvolvimento de tecnologias, hoje o bioma é responsável por nada menos que 60% da produção agrícola nacional. Umas das culturas que se destacam nesse território é a mandioca, não apenas pela extensão, com cerca de 200 mil hectares de área plantada, mas, sobretudo, pelo seu papel na alimentação do brasileiro.
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De acordo com o pesquisador Eduardo Alano Vieira, chefe de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro de Pesquisa Agropecuária dos Cerrados (Embrapa Cerrados), as pequenas propriedades são a maioria na produção de mandioca, reforçando o papel da cultura para a agricultura familiar. Já as grandes propriedades – a maioria no Norte e Sul de Minas Gerais, além de Goiás – tendem a cultivar a mandioca para fins industriais, como a produção de farinha e polvilho.
Completando 50 anos de atuação em 2025, a Embrapa Cerrados teve papel primordial em alavancar a produção de alimentos nesse bioma. Alano explica que o cultivo no Cerrado envolve duas frentes, começando pelo tratamento do solo, pobre em nutrientes, seguido pelo aprimoramento genético de variedades mais produtivas, resistentes a pragas e doenças e adaptadas ao clima.
A mandioca é um exemplo da atuação da instituição. Na parte do cultivo, a partir da análise do solo, a Embrapa fornece conhecimento para o produtor definir a quantidade de calcário (a calagem), o ajuste fino de fertilizantes e adubo para corrigir o solo, além do manejo de plantas daninhas. No entanto, o restante do processo depende da finalidade desta mandioca. Se for para a indústria, na produção de farinha e polvilho, o manejo se aproxima mais de uma lavoura, não tendo irrigação (já que o preço não justifica), muitas vezes com plantio e colheita mecanizada, no caso dos grandes produtores.
Já a mandioca de mesa do Cerrado é irrigada para produzir praticamente ao longo de todo o ano, se aproximando do trato de uma hortaliça, e tem rentabilidade muito alta. Para aumentar o valor agregado, muitas vezes esse produto é vendido já sem casca em mercados. Geralmente, a cultura para mesa está localizada nos cinturões verdes das cidades.
Melhoria genética
Os cruzamentos feitos para melhoria genética da mandioca começam a partir da definição das características que aquela nova variedade deve ter. Por exemplo, para obter uma mandioca de mesa amarela, que cozinhe rápido e produza muito, pode-se cruzar um cultivar de mandioca branca, que produz muito e cozinha bem, com outro cultivar de mandioca amarela, que demora a cozinhar e produz pouco. Alano explica que esse cruzamento é natural, utilizando o pólen, não se classificando como transgênico.
Os “filhos” gerados nesse cruzamento têm variadas características, fruto da recombinação dos genótipos, já que os “irmãos” não são idênticos. Dentro dessa população, o pesquisador vai achar um indivíduo que seja amarelo, produtivo, resista a pragas e cozinhe bem. Parece simples, mas, até formar uma nova variedade, gasta-se de 10 a 15 anos. A Embrapa Cerrados faz em torno de 100 cruzamentos por ano, e seu acervo de variedades de mandioca gira em torno de 500 unidades.
Esse trabalho de cruzamento teve início em 2005 e já deu origem a seis novos cultivares de mesa adaptadas ao Cerrado: três com polpa amarela e alto teor de betacaroteno (fonte de vitamina A); uma com raiz creme (um amarelo fraco), que fica amarela depois de cozida; e duas com raízes rosadas, ricas em licopeno (um antioxidante).
De acordo com o chefe de Pesquisa e Desenvolvimento do Embrapa Cerrados, muitos desses estudos contaram com o auxílio da Emater-MG (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais) e mais de 70 produtores, que testaram e selecionaram a melhor variedade. Esses cultivares de mandioca da Embrapa desenvolvidos para o Cerrado foram protegidos no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), uma espécie de patente.
Uma variante que ainda está em fase de pesquisa quanto à viabilidade econômica é uma mandioca com raízes açucaradas (com uma espécie de garapa, contendo pouco amido e muita glicose), com potencial para fabricação de xaropes, cachaça, cerveja e até etanol. Antes de desenvolver seus próprios cruzamentos, a Embrapa testava a adaptação de cultivares de outros lugares no Cerrado, visando a qualidade culinária, a produtividade e a resistência à bacteriose (principal doença da mandioca no Cerrado).
Além dessas variantes, a Embrapa Cerrados desenvolve processos que contribuem com o produtor, como o uso das partes aéreas da mandioca na alimentação animal, um exemplo de economia circular. A folhagem, o caule e a casca dessa cultura chegam a ter 20% de proteína. Ao invés de ser jogado fora, esse material é processado e servido aos animais, com o devido balanço nutricional, se transformando em carne e leite.
Outra tecnologia que pode ser aplicada é o uso de uma cobertura plástica do solo. O sistema evita que outras culturas cresçam ao redor da mandioca, eliminando as capinas, já que abafa o mato. Essa prática ainda retém a água no solo e mantém a temperatura elevada, o que aumenta a microbiota e reduz o uso de herbicidas. De acordo com Alano, o uso do plástico aliado à irrigação aumenta a produtividade em 90% (sendo 15% só devido ao uso do plástico). No entanto, uma crítica quanto ao uso dessa técnica é a liberação de microplástico no ambiente.
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